Morreu esta sexta-feira José Eduardo dos Santos, antigo Presidente de Angola, a poucos meses de completar 80 anos. Recorde-se o ex-governante encontrava-se internado nos cuidados intensivos numa clínica de Barcelona.
Até 2017, o Presidente da República, líder absoluto do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das Forças Armadas, José Eduardo dos Santos tinha tudo para, ao fim de 38 anos de poder absoluto e absolutista (despotismo, tirania, autocracia) sair menos beliscado ou até, com alguma ousadia e mestria, ganhar na recta final o que não conseguiu ao longo de décadas: o epíteto de estadista patriota.
Mas não. Se o poder corrompe, o poder selvático corrompe selvaticamente. E foi esta a opção de José Eduardo dos Santos. Embevecido pela megalomania de um poder que julgou divino e que, por isso, legitimava a sua tese de que não era Presidente para servir os seus cidadãos mas, antes, para deles se servir, esqueceu-se que era um simples mortal e que, no fim da linha, o seu epitáfio reflectiria o que de facto foi: um reles e déspota ditador.
José Eduardo dos Santos deixou o país, que ajudou determinantemente a ser um reino de características antropófagas em que os mais poderosos se alimentam dos mais fracos, na mais profunda crise da sua história. Um país abençoado por Deus em matéria de riquezas naturais e mosaico humano, mas também por Ele amaldiçoado nestes 46 anos de independência quanto ao nível dos seus dirigentes.
José Eduardo dos Santos esvaziou, deixou que esvaziassem, determinou que esvaziassem e viveu a esvaziar os cofres do Estado, para encher os dos filhos e dos seus amigos de partido, criminosos bajuladores formatados na tese de que o importante não é o que se é mas, apenas, o que se tem. Esqueceu-se, como acontece a todos os ditadores, que o que se tem é efémero e que eterno só é o que se é.
José Eduardo dos Santos promoveu a acumulação política do capital, para criar corruptos de colarinho branco, anafados demagogos e apologistas de que só trabalha quem não sabe fazer outra coisa. E esses, como o seu “querido líder”, limitaram-se a retirar chorudos dividendos do trabalho escravo de milhões de angolanos.
Institucionalizou a política do roubo no Estado, com a expressão “o cabrito come onde está amarrado”, em Malanje, para justificar os roubos de um seu amigo de situação, Flávio Fernandes.
Mesmo não sendo julgado pelos homens, o seu mais implacável juiz foi a tormenta que sempre se abate, qual tsunami, sobre os ditadores: não há forma de comprar, ou alterar, o fim da história terrena. E o fim do “filme” aconteceu hoje.
Nem mesmo um ou outro ténue exemplo de realismo altera a sua criminosa hibernação de 38 anos dos 46 que a parte mais radical da sua seita leva de poder. Vir agora falar de diversificação da economia é como querar aliviar a dor de um pai dizendo que o filho foi assassinado mas que dos sete tiros que levou só um foi… mortal.
Eduardo dos Santos assumiu a falência dos bancos comerciais; CAP; BESA; BPC; BCA; BCI. Não pagou a reforma dos desmobilizados e reformados das Forças Armadas. Fez uma Constituição à sua medida. Privatizou o sistema judicial, que vive a maioria na ilegalidade, violando a sua própria Constituição. Os corruptos, criminosos e gatunos estiveram (e continuam a estar) sob a sua bênção alojados no poder, privatizou o Estado, transformando-o numa sociedade unipessoal.
Não conseguiu na hora da mudança institucionalizar a democracia interna no MPLA. Indicou um sucessor, que a sua máquina levou às costas, sem carisma e capacidade de alterar o quadro dantesco em que o país definha. O país, não os seus dirigentes.
Eduardo dos Santos não conseguiu, por exemplo, resolver ou apontar um caminho, por esburacado e estreito que fosse, para resolver a questão dos massacres de 27 de Maio de 1977, liderados por Agostinho Neto. Não conseguiu instituir um dia dos pais da independência. Mau grado o espelho de aumento que todos os seus acólitos colocam na sua frente, procurando que dessa forma se julgue um gigante, Dos Santos sabia que afinal não passava de um anão. E sabia porque o fim da picada traz, regra geral, momentos de extrema lucidez.
Dos Santos poderia, antes de sair, apadrinhar um Pacto de regime onde todos os actores políticos fossem discutir o país, com seriedade, procurando soluções para estancar a roubalheira, como melhorar a democracia, como terminar com a promiscuidade governantes empresários, como reconciliar os angolanos. Não o fez. Em vez de ser a solução para o problema, mostrou que era um problema para a solução, ainda até ao ponto de perpetuar o problema ao escolher para seu sucessor, João Lourenço.
Por isso é mais do que claro que José Eduardo dos Santos foi um homem que na desmedida ganância de concentrar o poder absoluto, foi forçado a ter de abandonar o seu projecto de governação não de forma voluntária, mas pela doença.
Não deixou uma política de emprego com sustentabilidade, pelo contrário saiu como o maior promotor de desemprego dos angolanos e pai da falência das pequenas e médias empresas angolanas. João Lourenço ainda consegue, agora, fazer mais e pior.
Dos Santos preferiu dar emprego e minas de dinheiro a empresas estrangeiras como a ODEBRECHT, do que às angolanas, inclusive levou à falência simples empresas de recolha e tratamento de lixo para atribuir a empresas brasileiras cujo objecto era a construção civil e obras públicas
Com todo este estado do País, pese o exército de bajuladores, Dos Santos saiu pela porta do cavalo, pela mais pequenina, como um líder falhado, fracassado, incompetente.
Eduardo dos Santos partiu sem ter deixado um verdadeiro plano de país, uma plano económico viável, que não a corrupção institucional. E quando assim é, e assim é de facto, só lhe restava uma saída honrosa, mais abjecta politicamente, sair como um ditador.
Como se isso não fosse bastante, escondeu uma doença que, dadas as suas relevantes funções, deveria ser pública. Deveria, ainda que em desespero, explicar isso mesmo ao Conselho da República. Mas dado o seu atávico desrespeito pelos órgãos de soberania, Assembleia Nacional, Justiça, etc., actos próprios de um ditador, que a exemplo de Luís XIV considera ser ele o Estado.
O legado de Dos Santos foi quase nulo e a ladainha de que salvou os dirigentes da UNITA em 2002 é uma dantesca prova de quem esteve a léguas de ser um Estadista, mesmo que mediano. É, isso sim, a prova de quem elegeu a morte e o assassinato como uma política de Estado, do seu Estado.
A isso acresce que condenou miúdos inocentes cujo único “crime” foi estarem a ler livro sobre aquilo que só aceitou simular que implantava por a isso ter sido obrigado – democracia. Prendeu Kalupeteka por ser um dos maiores fenómenos de mobilização cristã, cometendo um dos maiores genocídios para acabar com uma congregação religiosa.
Apesar de tudo, paz à sua alma.
PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO DECRETA LUTO NACIONAL
Considerando o passamento físico do antigo Presidente da República de Angola JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, ocorrido aos 8 de Julho de 2022;
Tendo em conta que o Presidente JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS foi uma figura ímpar da Pátria Angolana, à qual se dedicou desde muito cedo, tendo tido relevante participação na luta contra a colonização, na conquista da Independência Nacional, na consolidação da Nação Angolana, na sua afirmação no contexto das Nações, na conquista da Paz e reconstrução e reconciliação nacionais;
Convindo homenagear condignamente a sua figura, a sua obra, os seus feitos e o seu legado ao serviço da Nação Angolana;
O Presidente da República decreta, nos termos da alínea m) do artigo 120, do nº 4 do artigo 125 e da alíne a) do nº 4 do artigo 5º da Lei nº 5/11, de 21 de Janeiro, o seguinte:
1. É declarado luto nacional a ser observado em todo o território nacional e nas missões diplomáticas e consulares.
2. O luto nacional referido no número anterior tem a duração de 5 dias e inicia às 00 horas do dia 9 de Julho de 2022.
3. Enquanto vigorar o luto nacional, deve-se colocar a Bandeira Nacional à meia-haste e cancelar todos os espectáculos e manifestações públicas.